Tanque Novo-BA: Prefeitura anula concurso suspeito de fraude e exonera 124 servidores
A prefeitura de Tanque Novo, cidade de 17 mil habitantes, no
sudoeste da Bahia, anulou nesta sexta-feira (3) um concurso público
realizado em 2015. Além disso, determinou a exoneração de 124 servidores,
devido às diversas suspeitas de fraude no certame.
A informação consta na conclusão do processo administrativo
disciplinar, publicado no Diário Oficial do Município. Foi determinado ainda
que cada secretaria municipal informe necessidade de contratação temporária, o
que deve ocorrer dentro de um prazo de 60 dias.
No mesmo documento, a prefeitura anunciou a realização de
um processo seletivo simplificado para contratação temporária (por até 2 anos)
e ocupação dos cargos que ficarão vagos devido às exonerações. Nesse tempo,
será realizado novo concurso.
O advogado Eder Adriano Neves David, que atua na defesa dos
servidores, criticou o processo administrativo realizado pela prefeitura de
Tanque Novo. “Finalmente o prefeito Vanderlei Cardoso (PCdoB) cumpriu
a ameaça. Absurda essa decisão”, reclamou.
Segundo o advogado, o prazo de alegações finais encerra em 22 de
maio, conforme o novo Código do Processo Civil. "Eu estava preparando as
alegações finais. Vamos entrar na Justiça para reaver essa decisão”, afirmou.
Segundo ele, a situação é de desespero entre os servidores. "Os
motoristas de ambulância querem saber se vão trabalhar amanhã ou não, no
plantão do hospital. Têm nutricionistas, odontólogos, psicólogos, auxiliar de
serviços gerais, muita gente que foi exonerada com essa decisão absurda”,
completou.
Em nota ao CORREIO, a prefeitura de Tanque Novo informou que
“hoje apenas foi publicada a decisão do processo administrativo, sendo que as
exonerações serão publicadas nesta segunda-feira (6)”.
“Entretanto, logo após repercutir a decisão, muitos concursados
já não compareceram aos seus postos de trabalho. O setor mais atingido foi o da
saúde, já que as substituições seriam nesta segunda-feira”, afirma o
comunicado.
A prefeitura não informou o número total de servidores do
município, mas disse que “já tem escala para manter o funcionamento do hospital
e pessoas que serão contratadas precariamente para suprir as demandas”.
A atual gestão também tem enfrentado problemas por conta da
contratação irregular de servidores e da não comprovação do pagamento aos
funcionários públicos. Ao julgar os gastos de 2017, aprovados com ressalvas, o
Tribunal de Contas dos Municípios (TCM), aplicou uma multa de R$ 10 mil ao
prefeito Vanderlei Marques Cardoso e o condenou a devolver aos cofres públicos
uma quantia de R$ 76.645,20.
Após o julgamento, contudo, o gestor apresentou documentação
complementar que comprova o pagamento das folhas salariais dos servidores no
montante de R$ 69.005,40 e processos de pagamento no valor total de R$
7.639,80. O TCM, então, eliminou a punição pelo ressarcimento aos cofres
municipais, manteve a aprovação com ressalvas das contas e a multa de R$ 10 mil
foi reduzida para R$5 mil.
Outro problema apontado pelo TCM na gestão de Vanderlei Cardoso
foi o gasto com festejos juninos de 2017, considerados “irrazoáveis”. O gestor
foi multado em R$ 5 mil, em decisão no dia 7 de junho de 2018.
O TCM considerou que “as despesas no montante de R$
584.455,75 violaram os princípios da economicidade e razoabilidade,
principalmente pela grave situação de seca enfrentada pelo município, que
perdurou durante todo o ano de 2017”.
Além dos gastos considerados altos, “o gestor cometeu diversas
irregularidades em procedimentos licitatórios realizados para a contratação de
serviços relativos aos festejos juninos”.
Ainda de acordo com o TCM, “os processos não apresentaram
as razões para a escolha dos fornecedores ou executantes dos serviços, nem
as justificativas para os preços contratados e sua compatibilidade com aqueles
praticados no mercado”.
Problemas desde o início
Realizado pelo ex-prefeito José Messias Carneiro (PMDB), o Dedé, o certame de 2015 previa 55 vagas e foi à frente mesmo com recomendação contrária do Ministério Público da Bahia (MP-BA), que viu suspeitas de irregularidades no edital do concurso.
Realizado pelo ex-prefeito José Messias Carneiro (PMDB), o Dedé, o certame de 2015 previa 55 vagas e foi à frente mesmo com recomendação contrária do Ministério Público da Bahia (MP-BA), que viu suspeitas de irregularidades no edital do concurso.
No ano seguinte, quando ocorreram eleições municipais, Dedé
fez novas convocações, além das previstas no edital. Supostamente, ele tinha
como objetivo influenciar na eleição do sobrinho Paulo Ricardo Bonfim Carneiro
(MDB).
Nas eleições, contudo, quem saiu vencedor foi o atual gestor
Vanderlei Marques Cardoso, que logo que assumiu o cargo mandou criar uma
comissão para investigar o concurso.
Um relatório inicial, publicado em setembro de 2017, apontou
diversas irregularidades, como 61 cartões de respostas das provas supostamente
preenchidos por uma só pessoa.
A comissão mostrou que havia diferença de tinta de caneta usada
na assinatura dos candidatos e no preenchimento dos quadros de respostas do
gabarito, e que “tais evidências são sugestivas de fraude”.
Outro fato relevante para a comissão é que a assinatura
da candidata à vaga de enfermagem Suziane Pimenta Carneiro, sobrinha do
então vice-prefeito Sebastião Pimenta, estava em dois cartões de resposta
- um dela mesma e outro de Silvia Maria de Souza. Suziane foi convocada.
Amparado em decisão liminar (temporária) de primeira
instância, que em novembro de 2017 suspendeu a validade do concurso após
ação civil pública do MP-BA, baseada também no relatório, Cardoso exonerou em
dezembro de 2017 os 124 concursados.
Os servidores recorreram ao TJ-BA, que em 27 de novembro de
2018, por meio da desembargadora Carmem Lúcia Santos Pinheiro, da Quinta Câmara
Cível, determinou que eles fossem reintegrados. Segundo ela, á época, eles não
tiveram direito ao contraditório na investigação realizada pela comissão da
prefeitura de Tanque Novo.
Por outro lado, a desembargadora reconheceu a decisão de
primeiro grau que determinou a suspensão do concurso devido às irregularidades,
manteve-o suspenso e determinou que a prefeitura se abstivesse de convocar ou
nomear novos candidatos.
Relações entre empresas
As supostas irregularidades apontadas no concurso de Tanque Novo, pelo relatório da comissão da prefeitura, iniciaram na fase da licitação interna para escolha da empresa que realizaria o certame.
As supostas irregularidades apontadas no concurso de Tanque Novo, pelo relatório da comissão da prefeitura, iniciaram na fase da licitação interna para escolha da empresa que realizaria o certame.
Nesta fase, apresentaram cotações de valores a FJ Futura, a
Alpha Concursos e o Instituto de Estudos Pesquisas e Desenvolvimento Municipal
(IEPDM), entre as quais, diz a comissão, havia relações familiares e
profissionais.
A vencedora foi a empresa FJ Futura, de propriedade de Fabiano
de Sá Alves, irmão do dono da Alpha, Altamir Alves Júnior. As duas empresas
possuem endereços idênticos em Vitória da Conquista e na cidade vizinha de
Barra do Choça.
Ambas estão em locais onde não há nenhum tipo de identificação,
e o mesmo ocorre com a IEPDM (sede em Feira de Santana), conforme afirma o
relatório da comissão, que aponta que Fabiano de Sá Alves é diretor-financeiro
da Alpha.
O CORREIO esteve com Sá Alves no endereço da empresa em Vitória
da Conquista, mas no lugar da FJ Futura está uma gráfica. Alves não quis dar
entrevista e pediu que a reportagem procurasse o seu advogado, Luciano
Sepúlveda.
Altamir Alves Júnior, que é advogado, defendeu a IEPDM, cujo
dono é Albertone Oliveira Amorim, num processo em que ela foi acusada de
plagiar questões da internet na realização do concurso da prefeitura de
Coaraci, em 2011.
Por causa do plágio em provas de matemática, o concurso foi
suspenso e as provas tiveram de ser novamente aplicadas. Altamir aparece ainda
como defensor da JF Futura na realização do concurso público da cidade de
Cordeiros, em 2013.
O escritório da Alpha em Vitória da Conquista, que fica a cinco
casas da sede da FJ Futura, no bairro Sumaré, está fechado e não há nada que o
identifique. Ao CORREIO, a FJ Futura, a Alpha e a IEPDM negaram haver conluio
entre elas na licitação.
A FJ Futura venceu a licitação por oferecer o menor valor, de R$
40 mil, e acabou sendo contratada por R$ 35 mil. Seria uma economia, mas a
gestão do ex-prefeito Dedé fez aditivo de R$ 65.319,50, totalizando o valor do
concurso em R$ 100.319,50.
Com a licitação ganha, Altamir Júnior (dono da Alpha e
administrador) atuou como responsável técnico da FJ Futura. Nas eleições de
2016, ele doou R$ 1.000 para a campanha do sobrinho do ex-prefeito Dedé e atuou
como advogado no processo eleitoral.
Além das proximidades entre empresários e políticos, a comissão
descobriu, após perícia forense, que as assinaturas de Dedé foram falsificadas
na homologação para escolha da FJ Futura e na homologação final do concurso –
essas falsificações também foram reconhecidas pela Justiça.
São apontados também erros na abertura de inscrições e existência
de tumulto e desinformação de candidatos no dia da realização do concurso, com
prejuízo na igualdade de condições.
Outro lado
O advogado Luciano Sepúlveda, ao ser questionado pelo CORREIO sobre o que motivou o aditivo que elevou o valor do concurso em mais de R$ 100 mil, afirmou que o aumento de custos não foi irregular.
O advogado Luciano Sepúlveda, ao ser questionado pelo CORREIO sobre o que motivou o aditivo que elevou o valor do concurso em mais de R$ 100 mil, afirmou que o aumento de custos não foi irregular.
Ele explicou que o valor engloba um pagamento direto pela
prefeitura e um percentual das inscrições. “Isso é natural, não se sabe os
custos, uma vez que eles são diretamente ligados ao número de inscritos”,
disse.
“Se houver mais inscritos, terá mais custos e vice-versa. Mas o
valor não saiu dos cofres do município, e sim de um percentual das inscrições.
Tudo isso consta no contrato que foi publicado no Diário Oficial, não foi
feito às escondidas”, afirmou.
Sobre as relações familiares e profissionais entre as empresas e
do dono da Alpha com o ex-prefeito Dedé, o advogado disse que “a Alpha forneceu
cotação de preços, mas não concorreu com a FJ Futura”.
Para o advogado, “mesmo que as empresas tivessem disputado a
mesma licitação, não haveria ilegalidade nisso, já que a lei federal que a
regulamenta [nº 8.666/93] não proíbe essa situação.”
As supostas irregularidades encontradas nos cartões de respostas
pela comissão da prefeitura que investiga o concurso são, para o advogado,
“inverídicas e motivadas por disputas políticas do município, cuja empresa que
represento está sendo envolvida”.
Sepúlveda diz que “essas alegações jamais serão comprovadas
porque inexistem”. E quanto às convocações dos aprovados, afirmou que “são da
competência exclusiva da prefeitura”.
O advogado e administrador Altamir Alves Júnior informou que sua
empresa atua no mercado há mais de 17 anos, e não tem “nada que macule ou
manche sua conduta”. Garantiu ainda que a Alpha participou apenas da primeira
fase da licitação.
“Saliento que a Alpha não participou da fase externa da
licitação, que é a efetiva disputa entre empresas, onde houve a escolha da
proposta financeira mais vantajosa para o município na época”, afirmou.
Ele disse que foi contratado para atuar como responsável técnico
da FJ Futura, depois que a empresa ganhou a licitação, porque “minha primeira
formação acadêmica é a de administrador de empresas”.
“Em relação à minha atuação nos demais fatos, saliento que
também é estritamente profissional. Já prestei serviço em diversas empresas,
onde também não constam quaisquer fatos que possam macular a minha imagem”,
disse.
Altamir Júnior afirmou que foi contratado para atuar pela IEPDM
“em um único serviço”, disse que sua doação para a campanha do sobrinho do
ex-prefeito Dedé foi legal e que “esses fatos não passam de politicagem”.
Atuação profissional
Albertone Oliveira Amorim, da IEPDM, afirmou que sua relação com Altamir Júnior foi somente profissional e negou haver conluio entre as empresas na licitação em Tanque Novo.
Albertone Oliveira Amorim, da IEPDM, afirmou que sua relação com Altamir Júnior foi somente profissional e negou haver conluio entre as empresas na licitação em Tanque Novo.
“A gente disputa muita licitação na Bahia toda, com muitas
empresas ao mesmo tempo. As empresas são muito regionalizadas, então está
sempre no rol de cinco ou seis empresas disputando a mesma licitação”,
declarou.
Já o ex-prefeito Dedé afirmou que lamenta que “questionem
concurso público cuja lisura e validade foram chanceladas pelo TCM, inclusive
no respeitante [sic] à contratação da empresa”.
“Se fatores estranhos ocorreram, foram omitidos da administração
e de mim. Chega a ser cômica a versão de que assinaturas minhas tinham sido
falsificadas, pois homologuei o resultado do concurso e autorizei convocações”,
disse.
A respeito de parentes dele com boa pontuação no certame, Dedé
declarou que “são um mínimo do mínimo dentre o universo dos aprovados”, e que
“muitos sequer foram classificados". "Só porque eu estava
prefeito, teria de proibi-los de participar?”, questionou.
“Até hoje, nenhum questionamento foi feito diretamente a mim na
Justiça, em relação às suspeitas levantadas pela atual gestão. Se fizeram,
terei o direito de defesa, quando poderei refutar as más impressões geradas”,
completou Dedé.
Na opinião do advogado Eder Adriano Neves David (defensor dos
servidores), o processo administrativo da prefeitura de Tanque Novo foi “apenas
para dar ar de legalidade, de que as pessoas tiveram oportunidade de se
defender”.
“Temos gravação do prefeito [Vanderlei Cardoso], ele dizendo que
precisava cancelar o concurso de todo jeito. Virou uma questão pessoal do
prefeito anular o concurso para colocar o pessoal dele no lugar”, afirmou o
advogado.
David destacou que o concurso foi validado pelo TCM e que
os problemas relativos às empresas não têm relação com os
servidores. “Quem deve responder são as empresas e a prefeitura”.
“Muitos dos aprovados são de outras cidades, eles se mudaram
depois de aprovados. Tem servidores que tomam antidepressivos porque ficam na
pressão de perder o emprego, ficar sem salário e ter de tomar empréstimo
para pagar dívidas”, disse.
Com relação ao caso de assinatura dupla em cartão de resposta da
servidora Suziane Pimenta Carneiro, o advogado declarou que “quando houve a
realização da prova, por equívoco da empresa, entregaram à referida servidora
cartão de resposta com o nome de outra candidata”.
“Ela só percebeu isso ao final, quando foi fazer a entrega do
gabarito já preenchido. Exigiu, então, dos responsáveis, um gabarito com o seu
nome, o que foi feito. Tal fato foi confirmado pela empresa posteriormente,
justificando o ocorrido”, afirmou. (Fonte: Correio 24h)
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