Bahia: Festas são canceladas na Chapada após ameaças de traficantes ligados a Zé de Lessa
Ao
menos oito festas que ocorreriam entre esta sexta-feira (6) e sábado (7) em
cidades da Chapada Diamantina foram canceladas após ameaças de traficantes
ligados à facção Bonde do Maluco (BDM). O líder José Francisco Lumes, o Zé de
Lessa, foi morto na quarta-feira (04) em confronto com a polícia do Mato Grosso
do Sul.
As
ameaças são para que as festas não sejam realizadas em respeito ao enterro do
“Velhinho”, que, segundo a Polícia Civil do Mato Grosso do Sul, ocorreria em
Dourados, cidade onde reside a ‘Índia’, que há um ano vivia com Zé de Lessa e
onde ele foi morto numa troca de tiros junto com mais três comparsas ainda não
identificados.
Áudios
enviados por grupos de WhatsApp mostram comunicações entre traficantes de outra
cidade enviando mensagens para comparsas que atuam na Chapada Diamantina.
“Salve,
família. Seabra, Chapada Diamantina e região. Passa uma visão aí que nós só
quer enterrar nosso coroa cangaceiro em paz, pra não haver festa aí e nem em
canto nenhum, senão o carro preto vai passar passando, tamo de luto, é daquele
jeito. Se rolar festa, nós vai botar pânico na cidade como vocês nunca viu”,
diz um dos áudios.
Um
dos cancelamentos confirmados, “por precaução”, foi o do show de Anna Catarina
que seria realizado em Iraquara.
Dentre
as festas canceladas, estão ainda as de Pedim Paredão, com as cantoras Hanna
Clara e Letícia Ângela, que seria em Iraquara; a Chopada da Barra; o ensaio do
Seabra Ligth e o Festival Regional do Café.
“Nunca
tivemos uma festa cancelada, nem qualquer outro problema, mas ninguém é doido
de ouvir uma ameaça dessa e ficar parado”, comentou uma mulher que faz parte da
organização de uma das festas e não quis ter seu nome divulgado. “Todo mundo
cancelou as festas por causa dos traficantes”.
E
na sequência dos áudios, o integrante da facção dia que “a covardia que fizeram
com o veinho não vai ficar de graça não, vai ter uma cobrança doida”.
A
Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) diz desconhecer o
cancelamento das festas e que não recebeu pedido dos organizações das festas
para averiguar o caso.
Líder do BDM foi morto na última
quarta
Centenas
de homicídios e tentativas do mesmo crime, extorsão mediante sequestro, roubos
a bancos, carros-fortes e transportadora de valores, tráfico de drogas, armas e
munições, associação ao tráfico, falsidade ideológica e corrupção de menores.
Por
esses crimes e pela violência que empregava à frente da facção Bonde do Maluco
(BDM), cuja base é em Salvador e Região Metropolitana, com ramificações no
interior do estado, o baiano José Francisco Lumes, o Zé de Lessa, era
considerado pelas autoridades públicas como o maior criminoso em atuação na
Bahia.
Nascido
em Carfanaum, cidade do centro-norte do estado, ele foi morto pela Polícia
Militar na manhã desta quarta-feira (4), junto com mais quatro comparsas, numa
área rural do estado do Mato Grosso do Sul, após ter seu esconderijo descoberto
pelos policiais.
Há
um ano que Zé de Lessa estava numa chácara numa área de fronteira com o
Paraguai muito frequentada por traficantes, entre as cidades de Aral Moreira e
Coronel Sapucaia, no sul do Mato Grosso do Sul.
Os
policiais chegaram até o local após Zé de Lessa e seu bando tentarem explodir
um carro-forte da empresa Brink’s na manhã de segunda-feira (2).
O
crime foi realizado na rodovia MS-156, entre as cidades de Caarapó e Amambai,
mas os bandidos fugiram sem levar nada porque os explosivos não foram capazes
de abrir a porta do veículo blindado. A polícia suspeita que tenha havido
alguma falha durante a explosão.
De
acordo com a Polícia Civil de Mato Grosso do Sul, Zé de Lessa e seu bando, em
2017, já tinham cometido o mesmo crime e contra a mesma empresa. Não foi
informado se naquela ocasião alguma quantia foi levada.
Desta
vez, não demorou nem 24 horas para o esconderijo de Zé de Lessa ser localizado
pela polícia, que desde terça-feira (3) já observava o local, aguardando o
momento certo para entrar na chácara.
A
propriedade rural pertencente a Alcindo Oliveira Coinete, funcionário público
da Prefeitura de Coronel Sapucaia e que foi preso. Segundo a polícia, ele dava
suporte logístico ao bando de Zé de Lessa e tem participação direta na
tentativa de explosão ao carro-forte da Brink’, na segunda.
Muitos
tiros
Com
mandados de busca e apreensão, a polícia invadiu a chácara nas primeiras horas
da manhã e, segundo relata o delegado Fábio Peró, titular da Delegacia de
Repressão a Roubo a Banco, Assaltos e Sequestros (Garras), eles foram recebidos
a tiros.
“Foi
muito tiro trocado”, ele disse. “Vieram tiros tanto dos criminosos que estavam
na chácara quanto de traficantes do Paraguai, pois lá é divisa com o Brasil,
muitos foragidos da Justiça ficam naquela região e também nos atacaram”.
A
chácara tem estrutura simples, com paredes de bloco sem reboco, telhados de
zinco na frente, de chão batido ao redor e próximo a ela há mais dois casebres
de madeira. Dentro dela havia poucos móveis, todos simples, sem luxo algum.
Após
a troca de tiros, Zé de Lessa foi encontrado com duas escopetas calibre 12 e
uma pistola 9 mm perto dele. Os outros bandidos não foram identificados.
Na
casa morava também uma índia cujo nome a polícia não informou. Ela era mulher
de Zé de Lessa e disse em depoimento que eles estavam na chácara há mais de um
ano. A mulher, basicamente, era responsável por fazer a comida dos bandidos e
cuidar da casa. Ela foi liberada após prestar depoimento.
Durante
a troca de tiros, um bandido conseguiu fugir pelo matagal, mas acabou sendo
localizado pelo Grupo de Patrulhamento Aéreo da Secretaria de Segurança Pública
do Mato Grosso do Sul.
O
bandido, também não identificado, estava com fuzis e uma metralhadora ponto 50,
que, segundo a polícia, tem capacidade de perfurar carros-fortes e
helicópteros. Segundo o delegado Fábio Peró, o criminoso foi perseguido tanto
por via aérea quando por equipes que estavam em terra. “Quando nos aproximamos,
fomos recebidos à bala e ele atirou inclusive no helicóptero”, disse.
Próximo
ao local onde o bandido estava, a polícia encontrou diversas armas de grosso
calibre, como dois fuzis 556, um fuzil AK46 calibre 762, duas escopetas calibre
12 e uma pistola 9 milímetros, além de farta munição para essas armas e coletes
a prova de bala. O bandido morreu no local. O armamento, segundo a polícia, foi
usado na ação criminosa de segunda-feira passada contra o carro-forte da
Brink’s.
Repercussão
O
secretário de Segurança Pública da Bahia, Maurício Barbosa, ao comentar a morte
de Zé de Lessa, deu um “graças a Deus” pelo fato de a polícia do Mato Grosso do
Sul ter tirado o bandido de circulação.
·
“Estávamos há alguns anos trocando
informações com a Polícia Federal e inclusive com a Polícia do Paraguai.
Sabíamos que ele estava lá, trazendo droga para abastecer o BDM aqui no nosso
estado e por algumas oportunidades nós tivemos quase próximos de pegá-lo”,
declarou.
“Graças
a Deus, a polícia do Mato Grosso do Sul nessa ação conseguiu tirar ele de
circulação", celebrou Barbosa, em áudio enviado ao CORREIO. O secretário
está na Aústria, onde participa de viagem institucional para compra de novos
armamentos.
Ele
disse ainda que é um “alívio” saber da morte e que agora a polícia baiana vai
verificar se há informações sobre a passagem de Zé da Lessa no MS que indique
alguma nova criminalidade na Bahia.
“Para
nós, é um alívio e agora é trabalhar em cima das informações que eles detém lá.
Já pedimos para a inteligência [da SSP-BA]
averiguar o que tinha com ele, quem estava andando com ele para ver se
tem a informação de prática de outros crimes aqui no estado”, declarou.
Roubo de R$ 100 milhões
Um
dos maiores roubos a banco do Brasil foi comandado por Zé de Lessa. O crime
ocorreu no dia 25 de novembro de 2018, em Bacaba, no Maranhão. Um grupo de 30 a
35 bandidos levou R$ 100 milhões do Banco do Brasil.
Na
ação criminosa, morreram três bandidos, um deles Edielson Francisco Lumes,
irmão de Zé de Lessa, atingido após sair de um veículo blindado e trocar tiros
com a polícia.
Edielson,
segundo a polícia, tinha a função de subchefe do grupo e repassava as ordens de
Zé de Lessa à quadrilha.
Zé
de Lessa era o Ás de ouro do Baralho do Crime da Secretaria de Segurança
Pública da Bahia, um arquivo que reúne os principais criminosos do estado. Ele
começou na vida do crime fazendo assalto a instituições financeiras.
Foi
preso algumas vezes e a última vez que saiu da prisão, em 2014, foi para
terminar de cumprir a pena no regime domiciliar. De Coronel Sapucaia, enviava
carregamentos de drogas para abastecer sua quadrilha na Bahia.
Ele
criou o BDM dentro da cadeia e logo sua facção passou a ganhar destaque.
Tornou-se o principal rival da facção Katiara, comandada por Roceirinho, e
passou a disputar pontos de droga com o rival. Ele tem entre seus principias
comparsas alguns parentes.
Ninguém
sabe, ao certo, quando José Francisco Lumes virou Zé de Lessa. A alcunha, para
o delegado Fábio Marques, da Polícia Federal, em entrevista ao CORREIO em
dezembro do ano passado, pode estar ligada a um possível apelido do pai de Zé
de Lessa - Idalécio, o genitor, seria o Lessa.
“Geralmente,
o apelido é relacionado ao pai, principalmente com o pessoal do interior”,
declarou o delegado, que investiga o BDM. Um exemplo desse tipo de apelido,
segundo ele, é o de Paulo de Magnólia, alcunha de Paulo Pereira Amorim, preso
em 2015 e acusado de assalto a banco em quatro estados.
Em
2015, o delegado Jorge Figueiredo chegou a dizer que ele era o maior assaltante
de bancos e carros-fortes da Bahia.
Mas
seus cinco processos encontrados pelo CORREIO no Tribunal de Justiça da Bahia
(TJ-BA), todavia, são relacionados ao tráfico de drogas. Nos processos, a
quadrilha comandada por ele é descrita como de “extrema periculosidade”.
Por
tráfico, Zé de Lessa foi preso provisoriamente em 28 de março de 2001, na
Penitenciária Lemos de Brito (PLB). Em janeiro de 2002, foi condenado a cinco
anos de prisão pela 1ª Vara de Tóxicos.
Em
2005, teve progressão de pena para o regime semiaberto, mas já em fevereiro
daquele ano, fugiu da prisão. Meses depois, em outubro, foi preso em flagrante.
Passou
pela Unidade Especial Disciplinar (UED) e, mais tarde, pela mesma PLB. Em
novembro de 2006, recebeu outra condenação – dessa vez, por porte de arma.
Foram
anos de idas e vindas entre as unidades prisionais da Região Metropolitana
(RMS), com notícia de faltas disciplinares enquanto estava na UED. Em 2013 e em
2014, de acordo com o Ministério Público do Estado (MP-BA), foram encontrados,
no presídio, materiais ilícitos atribuídos a ele: eram dispositivos de
comunicação, como chips e telefones celulares.
Naquele
mesmo ano de 2014, Zé de Lessa sofreu uma tentativa de homicídio na prisão.
“Ele sofreu várias pauladas. Vários presos tentaram matá-lo lá dentro,
exatamente porque tinha essa questão de liderança dele, pela
representatividade”, lembrou ao CORREIO, em 2018, o promotor Pedro Araújo
Castro, titular da 2ª Vara de Execuções Penais desde 2013.
É
justamente em 2014 que ocorre o episódio mais controverso da trajetória de Zé
de Lessa com a Justiça: em 15 de julho daquele ano, o desembargador Aliomar
Silva Britto autorizou que ele tivesse prisão convertida em prisão domiciliar.
Na
decisão, o desembargador cita que a defesa do então detento explica que Zé de
Lessa estava com “uma doença degenerativa, necessitando urgentemente de
realizar uma cirurgia, sob pena do seu membro superior esquerdo, o qual se
encontra atrofiado, ficar com degradação irreversível”.
Pelo
estado de saúde dele, o advogado Paulo César Pires alegou que havia necessidade
de tratamento urgente para solução da enfermidade.
Com
base em princípios como da dignidade humana, o desembargador afirma que o
requerimento para realizar uma cirurgia vem sido feito “há muito tempo” e não
havia nenhuma solução até o momento.
Ele
conclui que o presídio não tinha as condições necessárias para prestar
assistência ao estado de Zé de Lessa e que não seria “de bom alvitre” que um
paciente com quadro de saúde grave ficasse a mercê da própria sorte.
Mesmo
tendo decidido em favor da defesa, o desembargador avisa que não se deve
“descuidar do alto grau de periculosidade” do preso. Zé de Lessa saiu e não
voltou mais.
Questionado
se notou algum problema numa das mãos de Zé de Lessa, o delegado Fábio Peró,
que comandou a ação que culminou na more do criminoso, disse não ter notado
nada de anormal. E ao que parece, Zé de Lessa atirava com as duas mãos. (Fonte:
Correio24h)
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