Mulher com doença rara descobre que “morreu” para o governo.
BRASÍLIA- Após
derrubar na Justiça a decisão que determinou o fornecimento de um medicamento
de alto custo usado por Denise Roque de Toledo Correia, paulistana de 29 anos
que tem uma doença rara nas células-tronco, o Ministério da Saúde mandou
recolher frascos da substância na casa da jovem. O motivo: “óbito”.
Denise conta
que, com as mãos trêmulas e incrédula diante do funcionário responsável pela
coleta do remédio, subiu as escadas do sobrado onde mora, buscou a documentação
pessoal para provar quem era ela e teve de escrever o óbvio na guia do governo:
“estou viva”. Depois, fotografou a papelada, pois foi impedida de ficar com
qualquer cópia.
A visita do
emissário que, em nome do Ministério da Saúde, foi à casa da jovem, na Zona
Norte de São Paulo, buscar frascos do medicamento por causa da suposta morte
ocorreu no dia 13 de fevereiro, pouco antes das 16h. Segundo Denise, depois de
acalmar a mãe, que ficou mais nervosa do que ela com o episódio, ligou para o
número do Ministério da Saúde disponibilizado no próprio documento que assinou
para entender o que havia ocorrido:
— Eu queria
saber de onde eles tiraram essa informação da minha morte. A atendente disse
que não sabia, que não tinha como saber. Até que me perguntou por quanto tempo
eu já estava sem o medicamento. Quando falei que há uns cinco meses, ela disse:
‘E você não morreu?’ — É triste dizer, mas parece que estão esperando isso
acontecer. Primeiro que eu não estava mais recebendo o remédio há meses, como
teria algum frasco em casa? E depois tive que escrever que estou viva. Um
absurdo total.
A saga para
permanecer viva começou há cerca de três anos, quando Denise descobriu ser
portadora de HPN, uma doença rara e grave, que afeta o funcionamento das
células-tronco e faz com que o corpo mate os glóbulos vermelhos do sangue,
provocando tromboses e outras complicações. Em 2014, ela conseguiu, por decisão
judicial, receber gratuitamente o medicamento Eculizumabe.
Transplante foi
descartado
Para Denise, a
droga é a garantia de uma vida melhor, sem o pavor de, a qualquer momento, ter
de ser internada por causa de tromboses e hemorragias. Isso se houver tempo de
chegar ao hospital. Os médicos não recomendam o transplante de medula, única
saída curativa, porque a jovem tem complicações de AVC e outros problemas
decorrentes da doença.
Para o governo,
o remédio representa o maior gasto entre os dez medicamentos mais requeridos na
Justiça pela população, com gastos de cerca de R$ 613 milhões em 2016 para
atender a 442 pacientes, segundo dados do Ministério da Saúde. A pasta aponta
ainda que a fórmula não tem registro na Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa).
Foi com tais
argumentos que a juíza federal Edna Medeiros derrubou, em julho de 2016, a
decisão que beneficiava Denise. Ela escreveu na sentença que “o Estado, no
cumprimento do dever constitucional de proporcionar saúde à população, o faz
através de política pública planejada e universalizada, daí porque não pode ser
exigida dele a prestação individualizada de ações voltadas para a prática da
saúde. Isso fere o princípio da isonomia”.
Em outro trecho,
a magistrada defendeu que, “não sendo assim, estará formado o privilégio dos
pacientes de alto custo, com resultados duvidosos, em detrimento de outros,
cujo atendimento demandaria gastos menores e de comprovada eficácia”.
Com os frascos
que tinha recebido na última remessa antes da nova decisão judicial, Denise
ainda conseguiu tomar o medicamento por cerca de três meses. Mas depois que
parou, em outubro do ano passado, a saúde piorou e ela passou por internações.
A suspensão do
medicamento sempre foi um fantasma a assombrar Denise, uma vez que é natural o
governo recorrer das decisões judiciais que resultam em gastos extras. O que
ela nunca imaginou é que chegaria ao ponto de, depois de perder o direito de
receber o remédio, teria que provar para as autoridades que está viva e,
evidentemente, precisando do tratamento.
Questionado
especificamente sobre o episódio de Denise Roque de Toledo Correia, o
Ministério da Saúde limitou-se a dizer, em nota, que o cadastro dela “consta
como ativo no SUS” — o que significa apenas que Denise faz algum uso da rede
pública de saúde. Não explicou por que Denise foi dada como morta e tampouco
comentou sobre o atendimento dispensado a ela por telefone. (Globo)
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