Irecê-BA: 'Parem de atirar, somos músicos', diz cantora sobre ação que matou dançarina.
"Atiraram
para matar. Eu nunca passei por isso", diz Joelma Rios, de 44 anos,
vocalista da banda cearense Sala de Reboco, sobre a ação policial que deixou
ela e o sanfoneiro do grupo feridos, além de causar a morte da dançarina da
banda.
O
caso ocorreu na madrugada desta sexta-feira (5), em Irecê, e também estavam no
carro outra dançarina do grupo e o motorista do veículo.
Joelma
foi atingida nas nádegas e de raspão no braço. Após receber atendimento, foi
liberada do hospital. Ela conta que apesar de perceber que se recupera bem, o
sentimento de tristeza toma conta dela e de todos da banda.
"Imprudência.
Infelizmente perdemos nossa companheira, Gabi, de 25 anos, era uma menina
maravilhosa, tão meiga, nossa companheira. A gente vai voltar sem ela, a
família esperando. Ela fazia de tudo um pouco, costurava, era cabeleireira,
vivia batalhando. No período do São João, a gente organizou uma turma e chamou
ela [Gabriela] para completar a equipe", relatou Joelma, que está há três
anos nos vocais da banda.
Emocionada, a cantora relembrou o momento da ação que
causou a morte de Gabriela. Ela contou que as marcas dos tiros estavam no carro
e na sanfona de Eliedelson Possidônio Júnior, que foi atingido na perna. "Gabi saiu com a mão na barriga, dizendo que
estava sentindo dor. E ele [Possidônio] disse que não sentia a perna, a
panturrilha dele ficou esfacelada. Foi horrível", disse.
Gabriela e Possidônio foram socorridos para o Hospital
Regional de Irecê. A dançarina não resistiu aos ferimentos. Já o sanfoneiro
corre o risco de perder a perna.
Joelma relatou que ela e os demais foram surpreendidos
pelos tiros e que não houve qualquer sinalização policial para abordagem, como
sinal de luz ou funcionamento do giroflex. Na ocasião, foi notado pelas
dançarinas que um carro estava seguindo eles, mas que o grupo não viu que era
viatura, pois as luzes estavam baixas.
"As meninas [dançarinas] perceberam e falaram: 'Tem
alguém seguindo a gente'. Para desviar seguimos por outras ruas da cidade e
chegamos a achar que não tinha mais ninguém nos seguindo. Até que tinha um
carro atravessado na rua, no escuro e só ouvimos os disparos. Assustado, o
motorista acelerou. Cada um tem uma reação diante de um caso
desconhecido", relembra."A
gente não sabia que era a polícia. Foi tudo muito rápido", contou.
Por meio de nota, a Polícia Militar informou que o Comando
de Policiamento Regional da Chapada (CPR) instaurou um Inquérito Policial
Militar (IPM) que vai apurar as circunstâncias da ocorrência. Disse ainda,
conforme informações da Companhia Independente de Policiamento Tático (CIPT)/
Rondesp Chapada, que o carro da banda seguia na contramão.
Disse que o carro furou dois bloqueios feitos pela polícia
e que foram encontradas garrafas de bebidas alcoólicas no interior do
automóvel. A Polícia Civil também informou que vai apurar o caso.
Joelma
nega que havia garrafa de bebida alcoólica no carro e que estavam na contramão.
Disse também que não houve nenhum bloqueio policial.
"Se a
gente tivesse furado o bloqueio, os tiros teriam sido no fundo do carro, mas os
disparos também foram na frente do veículo. Possidônio [sanfoneiro] foi
atingido e estava sentado no banco da frente do carro. Vieram tiros de frente e
não foi de imediato que percebemos que foi a polícia. Se a gente notasse que
era uma abordagem policial, nós teríamos parado porque não devemos nada a
ninguém e não estávamos cometendo qualquer crime", contou.
Joelma
também relembrou que após os disparos ela teve a reação de abrir a porta do
carro para que os policiais vissem quem estava no veículo.
"Eu
saí do carro gritando e com as mãos para cima: 'Parem de atirar, somos músicos,
somos trabalhadores. Parem pelo amor de Deus'. Foi aí que eles pararam. Daí eu
vi que Gabi tinha sido atingida. As testemunhas se assustaram. As pessoas
começaram a sair das suas casas. Espero que isso não fique impune por uma
atitude impensada. Me senti uma ladra de alta periculosidade, me senti um lixo,
passar por tudo isso, por alguém que deveria nos dar segurança", concluiu.
Depoimento
irmão
Gleidivaldo
Possidônio, irmão do sanfoneiro Eliedelson Possidônio que ficou ferido na ação
policial na Bahia, conversou com o G1 contou como recebeu a
notícia de que o irmão estava ferido.
"Foi
um susto. Eu recebi a notícia por volta das 4h20 da manhã. Eu estava dormindo.
O Tonhão [Dono da banda] me ligou e contou sobre a situação", relatou.
Gleidivaldo,
que é médico, disse que a família do sanfoneiro, que mora em Fortaleza, avalia
a possibilidade de transferência do músico. Como ainda não há nada definido
para viagem de Eliedelson, é a mãe dele que se prepara para vir à Bahia.
"Já
entrei em contato com o hospital para avaliar a transferência. Ele está
esperando a avaliação do angiologista para poder ser liberado para a transferência
para fortaleza. O estado de saúde dele é estável, mas ele teve fratura na tíbia
e fíbula fratura exposta na parte direita. Eu entrei em contato com o colega
que está acompanhando ele, ele disse que há risco de amputação. Mas estamos
aguardando a avaliação de um angiologista. Ele corre o risco de ter a perna
amputada", explicou.
O irmão da
vítima ainda disse que o sanfoneiro foi atingido por um tiro de rifle. "É
um tiro de grande impacto. É um risco muito elevado para amputação. Fraturou
dois ossos da perna. Há o risco”, contou.
Gleidivaldo
destacou que uma situação como essa nunca aconteceu com o irmão dele. "Ele
é um cara de bem. Tinham ido confraternizar. Foi primeira vez que aconteceu
isso. Foi um completo despreparo da polícia. Ele tem dois filhos, crianças de
colo, um tem três anos tem um ano", disse.
Caso
Os integrantes da banda estavam em Irecê, descansando do período de shows
do São João. A última apresentação da banda foi na cidade baiana de Jacobina,
também no norte do estado, no dia 30 de junho.
Conforme explicou o dono do grupo Sala de Reboco, Antônio Rocha, os
quatro integrantes foram até Lapão, cidade a cerca de 11 km de Irecê, para
comer uma galinha caipira, prato tradicional nas cidades do interior da Bahia.
Quando retornavam de Lapão, por volta de 0h30, ocorreram os disparos.
A dançarina Gabriela
Amorim foi atingida na região do abdômen. Ela foi socorrida, mas morreu no
hospital. Gabriela deixa um filho de seis anos. O dono da banda está em busca
da liberação do corpo da jovem, que foi encaminhado para o IML de Irecê. O
sepultamento está previsto para ocorrer no Ceará.
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