'Superfungo' em alerta no Brasil preocupa mas não é ameaça como Covid-19, diz infectologista
Um homem hospitalizado na
Bahia com Covid-19 possivelmente foi infectado também por um fungo, tornando-se
o provável primeiro caso de adoecimento por Candida auris no Brasil.
Ao emitir um alerta na
segunda-feira (7/12) sobre a possível chegada da Candida auris ao Brasil, a
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirmou que trata-se de um
"fungo emergente que representa uma séria ameaça à saúde pública". Descoberto
em 2009, o fungo já se alastrou por mais de 30 países e causa preocupação por
ser "multirresistente" a medicamentos e fatal em cerca de 39% dos
casos.
Possivelmente vítima de
duas novas doenças, uma causada por um vírus e outra por um fungo, o paciente
baiano representa um futuro em que estaremos mais vulneráveis a patógenos que
evoluem para nos infectar com maior eficácia e que ultrapassam todas as
fronteiras, explica o médico infectologista Alessandro Comarú Pasqualotto,
professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre
(UFCSPA).
Em 2019, ele escreveu um texto, junto com a médica Teresa Cristina Sukiennik, da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, e com Jacques F. Meis, pesquisador na Holanda que vem se dedicando ao estudo do novo fungo, dizendo no título que a chegada do fungo ao país era só uma questão de tempo: "O Brasil está até agora livre da Candida auris, ou estamos perdendo algo?" (no original em inglês: "Brazil is so far free from Candida auris. Are we missing something?").
Ainda que haja muitas
semelhanças entre as duas novas doenças, Pasqualotto, que fez doutorado sobre
fungos do gênero Candida, explica como devemos encarar as notícias sobre a
Candida auris em plena pandemia de coronavírus.
"Embora ela seja
muito resistente e preocupante, não sei se a Candida auris vai chegar ao ponto
de infectar muita gente", explica o médico, à frente dos laboratórios de
biologia molecular e micologia da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre e
membro da Confederação Europeia de Micologia Médica (FECMM, na sigla em
inglês).
"Em termos globais,
ainda são poucos os casos. Não é porque temos a suspeita de um caso no Brasil
que temos que fechar as fronteiras. Mas, dada a sua resistência, existe sim um
alerta, porque (o fungo) pode causar surtos em pequenos núcleos, como no
ambiente hospitalar."
De acordo com estimativas
publicadas por pesquisadores chineses na revista científica BMC Infectious
Diseases em novembro, há ao menos 4,7 mil casos de infecção pela Candida auris
já registrados em 33 países, com taxa de mortalidade média em 39%.
Entre as várias armas que
as doenças infecciosas podem ter, como a capacidade de se alastrar com
facilidade, de matar ou de driblar medicamentos, é esta última que mais
preocupa no caso do novo fungo — embora os outros "poderes" também
existam.
"O grande perigo dele
é sua resistência. Como outras espécies de Candida, ele pode ser facilmente
transmitido — mas a grande preocupação, especialmente em ambiente hospitalar, é
com o fato de ser multirresistente, porque as opções de tratamento ficam muito
estreitas", explica.
Segundo o comunicado da
Anvisa divulgado na segunda-feira, a Candida auris "apresenta resistência
a vários medicamentos antifúngicos comumente utilizados para tratar infecções
por Candida".
"Algumas cepas de C.
auris são resistentes a todas as três principais classes de fármacos
antifúngicos (polienos, azóis e equinocandinas)", diz o documento.
A resistência microbiana,
que envolve fungos e também bactérias, é considerada uma das maiores ameaças à
saúde global pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Ela acontece pois os
microrganismos têm evoluído e se tornado mais fortes e hábeis em driblar
medicamentos como antibióticos e antifúngicos, fazendo com que várias doenças
já tenham poucas ou nenhuma opção de tratamento disponível.
"Casos como o da
Candida auris são como um evento adverso do progresso da humanidade: à medida
que a gente progride, produz mais antibióticos, que as pessoas são mais
invadidas por procedimentos médicos e sobrevivem mais, passam a surgir novos
patógenos que antes não causavam doenças. E, devido à pressão dos remédios,
eles surgem resistentes", explica Pasqualotto.
"Então, a Candida
auris é só a bola da vez. Assim como já foi o Staphylococcus aureus, que
desenvolveu resistência à penicilina após a Segunda Guerra Mundial; depois o
Enterococo resistente à vancomicina e tantos, tantos outros. Cada vez a gente
tem menos antibióticos para usar e cada vez mais patógenos resistentes."
'Colonização'
no hospital
O médico explica que
aproximadamente 20 a 30 espécies do gênero Candida causam doenças em humanos,
algumas delas conhecidas por "frequentar" o ambiente hospitalar —
"colonizando" cateteres e outros dispositivos médicos.
O caso da Bahia em
investigação começou justamente com a identificação de traços do fungo na ponta
de um cateter inserido no paciente com Covid-19, internado em uma Unidade de
Terapia Intensiva (UTI) de um hospital estadual.
É por meio de
procedimentos mais invasivos, como cirurgias, e também diante de pessoas com
imunidade enfraquecida ou com intenso uso de antibióticos que os fungos, seres
"oportunistas", aproveitam para se proliferar.
Conseguindo chegar ao
sangue, fungos como a Candida auris levam aos quadros mais graves, com alto
risco de óbito — segundo o estudo publicado no BMC Infectious Diseases, no
grupo de pacientes em que a infecção chegou ao sangue, a mortalidade subiu para
45%.
Em seu alerta, a Anvisa
apontou que, além da multirresistência e do risco de "ser fatal,
principalmente em pacientes com comorbidades", a Candida auris apresenta
ainda o obstáculo de "permanecer viável por longos períodos no ambiente
(semanas ou meses)" e apresentar "resistência a diversos desinfetantes"
usados nos hospitais.
Possibilidade
de subnotificação
Dos muitos desafios
trazidos pelo novo fungo, outro é a dificuldade de identificá-lo por meio de
exames — então, "muito provavelmente" houve subnotificação de casos
anteriores, respondeu Pasqualotto à BBC News Brasil por telefone.
Foi com este mote que ele
e colegas escreveram um editorial na revista científica Brazilian Journal of
Infectious Diseases indicando que o aparecimento da Candida auris no país era
uma questão de tempo.
"O reconhecimento
dessa espécie é difícil e requer métodos que a maioria dos hospitais não têm.
Então, pode ser que ela se dissemine com facilidade porque ninguém a
perceberá", diz o médico.
Após a suspeita de
infecção pelo fungo e seguindo protocolos definidos pela Anvisa, o hospital
estadual da Bahia encaminhou amostras do paciente ao Laboratório Central de
Saúde Pública Profº Gonçalo Moniz (Lacen/BA), que confirmou a presença da
Candida auris e remeteu o material para uma prova confirmatória no Laboratório
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), que também
sinalizou positivo e notificou a Anvisa na segunda-feira (7/12).
Agora, serão realizados
novos exames — as chamadas análises fenotípicas e o sequenciamento genético do
microrganismo — para confirmar a presença da Candida auris nas amostras do
homem internado inicialmente com Covid-19.
Nos laboratórios públicos
pelos quais o material passou até aqui, foi usada uma técnica sofisticada e,
segundo Pasqualotto, cara, chamada Maldi-Tof (Matrix-Assisted Laser Desorption
Ionization Time-of-Light).
O método é necessário
porque "a C. auris pode ser facilmente confundida com outras espécies de
leveduras, tais como Candida haemulonii e Saccharomyces cerevisiae",
explica o documento da Anvisa divulgado na segunda-feira. (Fonte: G1/Bahia)
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